O texto é, portanto, um tecido de espaços em branco, de interstícios a completar, e aquele que o enunciou previa que eles seriam completados e os deixou em branco por duas razões. Primeiramente, porque um texto é um mecanismo preguiçoso (ou econômico) que vive dentro da mais valia dos sentidos que lhes são introduzidos pelos destinatários; é apenas um caso de detalhismo extremo, de estrema preocupação didática ou de extrema repressão que o texto será enchido de redundâncias e de significados posteriores—até chegar ao seu limite de ter suas regras convencionais usuais violadas. Em seguida, pois à medida que passa da função didática à função estética, um texto que deixa ao leitor a iniciativa interpretativa, mesmo se, no geral, ele deseja ser interpretado com uma margem de univocidade. Um texto deseja que alguém o ajude a funcionar.
Umberto Eco
Resumir esse romance é desafiador. A obra é basicamente a reunião de vários depoimentos no relato de uma mulher que acaba de sair de um sanatório e que, após anos afastada de sua cidade natal (Manaus), retorna no intuito de rever parentes e amigos, e buscar sua história há tanto tempo esquecida naquele local. Sabendo de sua volta à casa materna, o irmão, que vive em Barcelona e com o qual ela se corresponde assiduamente, faz um pedido. Pede a ela que escreva um relato de tudo o que vir e ouvir, da cidade, dos familiares, dos amigos, como estão todos aqueles com os quais eles se relacionavam e que há muito não veem.
Para cumprir sua missão, a narradora parte com seu caderno de anotações, gravador, fitas e as cartas do irmão. Como uma boa repórter, ela deve colher os depoimentos e construir o relato. Neste regresso, ela encontra uma cidade desfigurada, um mundo perdido e desfeito nas vozes narrativas que se alternam para contar um pouco de suas histórias. Uma viagem à memória de cada personagem-narrador, que acompanha as lembranças da infância e de um passado perdido no tempo.
Com diferentes personagens assumindo a narração de cada capítulo para contar sua própria história, o romance constitui um emaranhado de vozes que se conectam à voz da narradora, vozes que desvendam segredos, mistérios e o drama vivido pelas personagens, uma teia de histórias que culminam na história de vida daquela responsável pelo relato.
Ainda assim, o romance é bastante lacunar: as narrativas não completam o quadro todo, mas vão compondo em forma de mosaico essa memória que resiste aos filtros do tempo.